Análise

Muitos jovens querem ter uma profissão que pouca hipótese têm de conseguir

por EDULOG


16 de fevereiro de 2020 |

Profissões do século XIX e XX continuam no imaginário dos jovens do século XXI, revela a OCDE. Aos 15 anos, a maioria dos adolescentes expressa a vontade de trabalhar num número restrito de ofícios. Esta concentração, alerta a organização, “sugere, de certo modo, que cada vez mais as expectativas dos jovens podem estar desatualizadas e serem irrealistas”.

As expectativas de carreira dos jovens pouco mudaram em vinte anos. Contudo, foram muitas as mudanças sociais, económicas e tecnológicas. Em 2000, o mundo era mais analógico. Foi antes da expansão das redes sociais, da impressão a 3D e da inteligência artificial.

Ainda assim, são as profissões do século XX e ainda do século XIX que captam o imaginário dos jovens do século XXI. É o que mostra o relatório Dream Jobs? Teenager’s Career Aspirations and the Future of Work, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que inquiriu os 600 mil adolescentes de 15 anos que participaram no PISA 2018 sobre quais seriam os seus “empregos de sonho”.

Desde 2000, a OCDE tem perguntado aos jovens que emprego esperam ter aos 30 anos? Agora, dados de 41 países participantes nos estudos do PISA em 2000 e em 2018 permitem concluir que as expectativas de carreira dos jovens de 15 anos estão cada vez mais concentradas em algumas profissões.

Médico, professor, gestor, engenheiro, advogado, polícia, técnico de informática, enfermeiro, designer, psicólogo, arquiteto, veterinário, ator, mecânico de automóveis e músico, por essa ordem, contam-se entre as profissões mais mencionadas em 2000 e 2018 por rapazes e raparigas.

Em Portugal, 50% dos alunos inquiridos em 2018 esperavam aos 30 anos estar a trabalhar numa das dez profissões mais mencionadas.

Os dados mostram que nos sistemas educativos que mais apostam no ensino e formação profissional, os adolescentes têm expectativas de carreira menos concentradas neste top ten de preferências. Na Alemanha e Suíça, menos de quatro em cada dez jovens expressa interesse apenas nestas dez profissões.

A concentração de expectativas atinge o máximo em países com baixos rendimentos, como o Brasil, Indonésia e Tailândia. Aqui, três em cada quatro alunos espera vir a trabalhar numa das dez profissões mais desejadas.

Na Indonésia, por exemplo, 52% das raparigas está na expectativa de conseguir emprego numa das três profissões mais mencionadas em 2018 pelas raparigas daquele país: gestora, médica ou professora; 42% dos rapazes espera ser gestor, professor ou militar.

Na Alemanha, os jovens mostram interesses mais amplos e que “refletem melhor os padrões atuais da procura do mercado de trabalho”, segundo a OCDE. 27% das raparigas esperam ter uma das três profissões mais mencionadas: professora, médica e cuidadora de crianças; 17% dos rapazes desejam ser técnicos de informática, mecânicos industriais ou agrícolas ou mecânicos de automóveis.

O género continua a ter uma forte influência na escolha da carreira. Os rapazes tendem mais do que as raparigas para profissões na área das ciências e da engenharia, mesmo quando uns e outros obtêm os mesmos desempenhos nos testes do PISA que avaliam conhecimentos de Ciência.

Carreira esperada vs possível

Os jovens sabem como será o mercado de trabalho quando tiverem 30 anos? E quais serão os “empregos com futuro”?

A OCDE refere que a excessiva concentração das expectativas de carreira dos jovens de 15 anos “é preocupante”, porque “sugere, de certo modo, que cada vez mais as expectativas dos jovens podem estar desatualizadas e serem irrealistas”. Dito de outro modo: “Muitos jovens querem ter uma profissão que pouca hipótese têm de conseguir.”

Quase metade dos empregos na OCDE estão em risco de automatização nos próximos 10 a 15 anos. 14% dos empregos vão ser altamente automatizados e 32% vão sofrer mudanças substanciais na maneira como são desenvolvidos, devido aos avanços da inteligência artificial.

Profissões na área da saúde e assistentes sociais, agentes culturais e advogados correm baixo risco de ser tornarem automatizadas. No entanto, fora dos cinco ou dez empregos mais desejados, muitos jovens escolhem empregos de elevado risco de automatização. 39% dos empregos citados pelos participantes do PISA 2018 correm o risco de automatização nos próximos 10 a 15 anos.

Na Austrália, Irlanda e Reino Unido, cerca de 35% dos empregos mais desejados pelos jovens correm o risco de automatização, enquanto na Alemanha, Grécia, Japão, Lituânia e República Checa são mais de 45%. Outro indicador: 41% dos empregos que interessam aos jovens mais carenciados estão em risco de automatização, comparado com 37% dos empregos mais mencionados pelos jovens mais favorecidos, em média nos países da OCDE.

Outra questão importante para a OCDE é perceber se o desempenho escolar dos jovens lhes vai permitir alcançar a tal profissão de sonho.

Considerando os participantes que obtiveram pontuação elevada no teste de Ciência do PISA, os dados mostram que os alunos provenientes de agregados familiares carenciados expressam expectativas mais baixas em termos de carreira, comparado com os colegas mais favorecidos. O mesmo acontece com a vontade de prosseguir estudos para o ensino superior: os alunos mais favorecidos têm mais do dobro da probabilidade que têm os desfavorecidos de expressar vontade de tirar um curso.

“E se em países como a Áustria e a Alemanha isto pode ser um reflexo da eficácia da educação e formação profissionais que oferecem acesso ao emprego através da aprendizagem inserida no mundo do trabalho em vez de na universidade, nos restantes países o fenómeno justifica-se com a existência de barreiras que impedem os alunos desfavorecidos de realizar o seu potencial educativo”, sublinha a OCDE.

Confusão na carreira

A análise da OCDE mostra o quanto o percurso escolar dos alunos está alinhado ou desalinhado com as suas expectativas de carreira. Trata-se de um “indicador quanto à capacidade dos jovens para compreender e progredir no mercado de trabalho”, lê-se no relatório.

Em muitos países, um adolescente que quer ser advogado deve antecipar que vai ter de frequentar uma universidade e obter uma pós-graduação. “O desalinhamento, sobretudo quando um jovem faz planos para prosseguir menos estudos do que seriam necessários para assegurar os seus objetivos profissionais, é um indicador de confusão na carreira”, refere a OCDE.

Os jovens cujas aspirações estão desalinhadas, podem esperar mais dificuldades no mercado de trabalho adulto do que os seus pares - com a mesma formação e estatuto socioeconómico - que sabem do que precisam para realizar as suas ambições.

Um em cada cinco jovens de 15 anos que participaram no PISA 2018 tem o seu percurso escolar desalinhado das suas expectativas de carreira: subestimam os níveis de escolaridade tipicamente requeridos para alcançar a posição de gestão ou profissional que pretendem no mundo laboral.

Excecionalmente, diz a OCDE, esta discrepância pode refletir a forte implementação da educação e formação profissional, “oferecendo várias alternativas formativas para os jovens alcançarem posições de elevado estatuto socioeconómico e bem pagas”. Mas isto acontece em poucos países, e são apenas exemplo a Alemanha e a Suíça, lê-se no relatório.

O cenário é pior quando visto à lupa das diferenças socioeconómicas dos estudantes. Entre os participantes no PISA 2018, um em cada três alunos dos 25% mais desfavorecidos tinham aspirações desalinhadas com os seus percursos escolares, comparados com um em dez dos alunos dos 25% mais favorecidos. Em muitos países, mais de 40% dos alunos desfavorecidos apresentam esta “confusão na carreira”.

Aconselhamento vocacional nas escolas

“Com os jovens a permanecerem na escola mais tempo do que alguma vez estiveram e enfrentando decisões cada vez mais difíceis sobre como se preparar para o mercado de trabalho, é mais importante do que nunca que tenham aconselhamento de carreira adequado”, diz a OCDE sublinhando o papel da escola nesta matéria.

O grau de envolvimento dos jovens dos 32 países da OCDE em atividades de aconselhamento quanto à carreira a seguir varia muito. A maioria dos jovens de 15 anos limita-se a pesquisar na Internet e a responder a questionários de orientação vocacional. Menos de 40% visitou uma feira de emprego. Só 8% dos jovens em Hong Kong poderá ter a expectativa de visitar uma feira de emprego comparado com 72% dos jovens em Malta.

Menos de 50% dos jovens de 15 anos falou com um psicólogo vocacional. Bem diferente do que acontece na Dinamarca, onde mais de 80% dos jovens já teve um orientador de carreira aos 15 anos e em países como a Bélgica ou o Brasil, onde apenas um em cada três jovens recebem semelhante orientação.

A OCDE critica também a “limitada” exposição direta dos jovens ao mercado de trabalho, que afirma “valiosa para os jovens”, e lamenta que continuem a ser os alunos mais favorecidos, geralmente com menos necessidade de orientação sobre o seu percurso educativo e futuro profissional, os que mais a recebem.

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