Ensino Profissional

21 recomendações

Como valorizar o ensino secundário profissional? Dilemas, Desafios e Oportunidades

Como valorizar o ensino secundário profissional? Dilemas, Desafios e Oportunidades

O Estudo "Como valorizar o ensino secundário profissional? Dilemas, Desafios e Oportunidades" procurou identificar e caracterizar os percursos de formação profissional em Portugal e os constrangimentos que lhes estão associados. Para tal, procedeu-se à caracterização do ensino e formação profissional em Portugal no período 2015-2019, à análise da oferta de ensino profissional secundário em Portugal (ESP) no triénio 2018/2021, a um estudo longitudinal sobre o percurso dos diplomados do ensino secundário profissional, a um estudo qualitativo com estudantes, diplomados, professores e empregadores do ensino secundário profissional e a um estudo das perceções e percursos diplomados.

Recomendações

Junho 2023

  1. Aumentar o número de estudantes do ESP sem dificuldades de desempenho escolar e especialmente motivados pela integração no mercado de trabalho.
    O ensino e formação profissional define-se atualmente pelo foco na empregabilidade e, por essa razão, tem o potencial de atrair perfis mais variados de estudantes, designadamente aqueles que têm bom desempenho escolar, mas preferem um ensino aplicado e direcionado para profissões atrativas em detrimento da via científico-humanística. O ESP demonstra, até agora, incapacidade de atrair este tipo de estudantes, designadamente devido às resistências dos grupos de referência como pais e professores. Contudo, existe um conjunto de novos estudantes do ESP motivados pela melhoria da empregabilidade e sem problemas de desempenho escolar, se assumem como “os herdeiros” do ESP e estão apostados em maximizar os resultados desta via de ensino. Para tornar o ESP mais atrativo e adequado para este conjunto de estudantes, contribuirá o redesenho da estratégia do ESP ao nível de profissões a que dá acesso, a maximização da ligação ao tecido empresarial por forma a aumentar o contacto entre estudantes e empregadores e uma melhor compreensão dos desafios e exigências do mercado. Será também de considerar o aumento da exigência e qualidade percebida do ensino aprendizagem e, claramente, da união dos intervenientes principais (alunos, diplomados, professores, empregadores) em torno do ESP.

  2. Aumentar o reconhecimento do valor do ESP dentro das escolas.
    O facto de professores do ensino básico e secundário se destacarem entre aqueles que defendem a ideia do ESP ser “um desperdício para bons alunos” exige ação urgente. O tradicional direcionamento do ESP a estudantes de baixo desempenho escolar é uma realidade irrefutável dado ser o grupo quase exclusivo do ESP na atualidade. Para fazer face às resistências de professores por esta via de ensino, é essencial promover o debate e o seu envolvimento na nova realidade do ESP, integrando-os na busca por soluções de melhoria contínua desta tipologia de ensino, que se afigura muito mais dinâmica e exigente do que a via científico-humanística. É essencial analisar e demonstrar a eficácia do ESP para os alunos de bom desempenho escolar, a vários níveis: a qualificação profissional obtida, o sucesso da integração no mercado de trabalho, o acesso a profissões de reconhecimento social e remunerações iguais ou superiores às obtidas pelos diplomados da via científico-humanística, e o desenvolvimento equivalente de conhecimentos e competências para a sua vida futura (e.g., domínio da língua portuguesa). No geral, é importante continuar e reforçar o trabalho realizado no âmbito do Quadro de Referência Europeu de Garantia da Qualidade para o Ensino e Formação Profissionais (EQAVET). Para o aumento do reconhecimento do ESP entre professores contribuirão mecanismos de avaliação do sucesso do ESP, o fomento da participação dos intervenientes (designadamente diplomados e empregadores) e a divulgação do que se faz no ESP. A interação entre professores e empregadores pode incluir o desenho dos cursos, a participação nas aulas, entre outras estratégias de integração das empresas nos percursos de formação. Globalmente, o reconhecimento do ESP dependerá da sua capacidade de corresponder às necessidades e exigências de grupos de estudantes mais diversificados.

  3. Capacitar os estudantes do ESP para a efetiva continuidade dos estudos para o ensino superior.
    Apesar do atual reconhecimento da possibilidade de acesso ao ensino superior dos estudantes do ESP que venham a desejar esse caminho, é necessário corrigir desigualdades que ainda persistem. O estudo realizado demonstra que o atual modelo de acesso especial a estudantes de via profissionalizante foi um passo importante e muito valorizado por estudantes, professores, diplomados e empregadores. Contudo, este acesso está condicionado a vagas em cursos específicos. Aliás, a própria DGES (2020) sugere que os estudantes do ESP não devem deixar de realizar os exames nacionais se quiserem ter acesso a todos os ciclos de estudos oferecidos pelo ensino superior. Ora, os estudantes do ESP estão, no geral, em desvantagem relativamente aos colegas do ensino regular. Outras medidas que facilitam o acesso ao ensino superior (por exemplo, o concurso especial para maiores de 23 anos) dão contributos importantes, mas limitados, a um número muito reduzido de vagas. A desvantagem que subsiste poderá ser resolvida por duas vias: o alargamento do âmbito de acesso especial dos estudantes do ESP (por exemplo, exames de matemática diferentes e alinhados com o programa lecionado durante o secundário) e/ou com a atenuação/anulação das diferenças entre disciplinas nucleares das duas tipologias de ensino (e.g., português e matemática). A possibilidade de provas de acesso locais oferecidas por cada instituição de ensino superior poderá também ser mais explorada.

  4. Questionar a diferença no nível de exigência no ESP comparativamente à via científico-humanística.
    O ESP foi descrito como especialmente dinâmico, adaptando metodologias de ensino-aprendizagem não só para corresponder à capacitação dos estudantes para desempenho de profissões qualificadas, como também de aproximação aos interesses dos estudantes para aumentar o interesse pela aprendizagem, e desenvolver soft skills de que sejam carentes. Contudo, aparentemente isto é acompanhado com o aligeirar de exigências a nível de conhecimentos em disciplinas nucleares. Tal gera não só má imagem do ESP e resistências de pais, professores e estudantes, como cria desvantagens nos diplomados à entrada do mercado de trabalho, reconhecendo-lhes excelentes competências técnicas e transferíveis, mas falha de alguns conhecimentos básicos a nível, por exemplo, da comunicação e domínio da língua. De notar que esta realidade está a atrair um terceiro grupo de estudantes que acredita que o ESP permite a obtenção de médias mais elevadas proporcionando um acesso mais fácil ao ensino superior. É o próprio sistema atual que estimula o surgimento deste novo segmento de estudantes, ao permitir que seja institucionalizado ou difundido algum “facilitismo” ao nível das avaliações. Contudo, tal consubstancia uma desvirtuação da natureza e âmbito do ensino e formação profissional: atrai estudantes que não correspondem à tipologia para que o ESP foi desenhado (estudantes com dificuldades de desempenho escolar e/ou orientados para a integração no mercado de trabalho), gera desigualdades, neste caso no acesso ao ensino superior, e pode significar uma má afetação de recursos públicos aplicados no ESP, tendo em consideração os seus objetivos inequívocos. Sendo totalmente defensável a possibilidade de qualquer estudante completar o ensino secundário, o tipo de conhecimentos e competências adquiridas e as classificações obtidas (em especial as notas finais de disciplinas nucleares), devem ter um significado tão universal e comparável com as demais tipologias de ensino quanto possível, em particular o ensino regular. Tal obviaria vários efeitos negativos na atratividade do ESP e na sua imagem e evitaria utilizações desenquadradas com a sua missão.

  5. Priorizar a empregabilidade e valorização profissional na definição da oferta formativa do ESP.
    A oferta formativa do ESP não está isenta de contradições, designadamente devido a divergências entre necessidades atuais e estratégicas, e entre orientação para o mercado de trabalho ou para a prossecução dos estudos. A ter de ser definido um elemento-chave que se sobreponha aos demais, entende-se como mais razoável a priorização da empregabilidade e, consequentemente, a orientação para suprir necessidades do mercado de trabalho. Tal priorização tem que ver, não só com o cumprimento dos desígnios do ESP (i.e., inclusão social, empregabilidade, competitividade, e desenvolvimento económico) como com a própria sustentabilidade do modelo de ensino. O seu sucesso e boa imagem dependem, essencialmente, da capacidade de formar profissionais que sejam valorizados no mercado de trabalho. Esta priorização deve ser devidamente comunicada, até para que se possam conciliar perspetivas dissonantes, designadamente entre pais, professores e empregadores.

  6. Articular prioridades estratégicas com necessidades correntes.
    As prioridades estratégicas nacionais e regionais, designadamente as relativas à especialização inteligente, são essenciais para promover o desenvolvimento económico. Contudo, são evidentes desvios entre estratégias nacionais e regionais e, adicionalmente, o significativo desalinhamento da oferta formativa do ESP com essas prioridades, mesmo nas regiões onde os cursos alinhados são passíveis de financiamento. É necessária por um lado, uma mais clara articulação das estratégias regionais com as prioridades nacionais, designadamente devido ao impacto no financiamento. Adicionalmente, é necessário garantir que as necessidades correntes do mercado de trabalho são devidamente acauteladas. Só esta articulação garante a empregabilidades dos diplomados do ESP.

  7. Melhorar a equidade entre ESP público e privado.
    As instituições de ensino privado têm um papel importante na oferta formativa de ESP, e demonstram capacidade de alargar o âmbito do ensino, designadamente ao introduzir novas áreas de educação e formação. O sucesso do ESP depende de uma boa articulação entre ambos e de condições adequadas para uma atuação complementar. Para tal, é recomendável que sejam evitadas sobreposições de oferta, o que pode ser conseguido quer por mecanismos de diálogo e de articulação da rede de ensino profissional, quer pela definição de regras claras para consideração da oferta de concorrentes numa determinada área geográfica. Por outro lado, diferenças de apoios, seja no acesso ao financiamento, seja nos apoios concedidos aos estudantes, não devem depender da natureza pública ou privada da instituição de ensino, devendo as eventuais desvantagens que subsistam para o ensino público ser analisadas e anuladas. Finalmente, são apontadas diferenças no funcionamento dos cursos, em particular os calendários de candidatura e preenchimento das vagas, que origina um claro desperdício de recursos, ao gerar vagas inesperadas no ensino público por desistência de estudantes que, entretanto, foram aceites em cursos semelhantes do ensino privado – onde obtêm condições financeiras mais atrativas. Ora, essas diferenças de regras de funcionamento geram desperdício de recursos, tensão, e falta de equidade entre as instituições com base na sua natureza pública ou privada.

  8. Aumentar a flexibilidade e adaptabilidade da oferta formativa para reação rápida aos níveis de empregabilidade e desemprego locais.
    A maioria das dificuldades reportadas na integração no mercado de trabalho, que resultam quer na permanência por vários meses na situação NENT quer a frequente opção por trabalhar numa área não alinhada com a formação obtida, explicam-se pela aparente inadequação das qualificações ao mercado de trabalho local. Uma estratégia essencial para ultrapassar estes desafios será priorizar a empregabilidade e a valorização profissional na definição da oferta formativa, aumentando o alinhamento com as necessidades do mercado (recomendação R05). Contudo, tal pode não ser suficiente, dada a duração dos cursos de ESP (três anos) e as mudanças rápidas e nem sempre previsíveis das necessidades do mercado de trabalho. Assim sendo, é necessário desenhar cursos mais elásticos e adaptáveis às mutações do mercado de trabalho, trabalhando qualificações e soft skills que possam ser integradas em vários contextos e que combinem quer as necessidades atuais, quer os desafios estratégicos futuros. Por outro lado, o próprio curso deve ter capacidade de evoluir ao longo dos três anos, reinventando-se, sempre que necessário, para melhor corresponder às novas necessidades do mercado. A flexibilidade da formação pode também ser conseguida intensificando e generalizando a colaboração das empresas na sala de aula. Se empresas e potenciais empregadores colocarem desafios às turmas do ESP e participarem mais ativamente no desenho de atividades e definição de prioridades no ensino-aprendizagem, é mais provável que a preparação dos estudantes se molde às necessidades mais prementes do mercado de trabalho, integrando as alterações que se estejam a registar, e tornado os diplomados mais versáteis e atualizados. As competências transferíveis também ajudarão não só a conseguir emprego noutras áreas, mas em especial na adaptação à mutabilidade do mercado de trabalho.

  9. Facilitar a experiência profissional durante o ESP para os estudantes que tenham como prioridade a integração do mercado de trabalho.
    Um dos fatores que explica a integração no mercado de trabalho na área de formação é a experiência profissional prévia dos diplomados, especialmente se na mesma área do curso. Assim sendo, seria uma mais-valia para os estudantes ter possibilidades acrescidas de exercer atividade profissional durante o curso, se assim o pretendessem. O ESP poderá reforçar e valorizar os estágios curriculares, para que sejam experiências relevantes e facilitadoras da entrada no mercado de trabalho. Os estágios curriculares poderão ser faseados, permitindo que em todos os anos do curso estejam previstos dias de formação nas empresas. Tal experiência permitiria uma maior ambientação ao contexto laboral, a criação de rede de contactos e contribuir para uma mais fácil integração futura no mercado de trabalho. Pode-se ainda promover uma organização de carga horária, em especial no último ano do curso e nos estudantes mais velhos, que torne mais viável a conciliação com experiência profissional. A conciliação dos estudos com trabalho pode ser facilitada com horários escolares que permitam a atividade profissional, por exemplo deixando livres dias da semana ou meios dias nos dias úteis – conforme seja mais adaptável ao tipo de qualificação profissional em causa. Podem também ser promovidas iniciativas de empreendedorismo ou de voluntariado que permitam aplicar as qualificações desenvolvidas no curso, e que enriqueçam a experiência profissional dos estudantes.

  10. Aumentar as iniciativas de preparação para procura de emprego e de aproximação dos finalistas do ESP ao mercado de trabalho.
    As escolas têm um papel importantíssimo na capacitação dos estudantes para a procura de emprego, designadamente o apoio à escrita de CV e preparação de entrevistas de emprego. Essas iniciativas poderão ser reforçadas especialmente em contextos que se antecipem maiores dificuldades na integração no mercado de trabalho. Outras iniciativas poderão ser pensadas como parte da estratégia de comunicação e de colaboração com o mercado de trabalho, em particular feiras de emprego e mostras de aprendizagem do ESP. Esse tipo de atividades ajudará a criar redes de contactos, além de promover os finalistas entre potenciais empregadores. Para lá dos testemunhos e partilha de experiências, poderão ser explorados programas de mentoria, estreitando laços entre estudantes do primeiro e do segundo ano do ESP, e programas de tutoria com o apoio de elementos das empresas, designadamente onde realizam estágios curriculares, que possam acompanhar os estudantes de uma forma mais continuada. Também a possibilidade de interação com parceiros internacionais e partilha de experiências através do programa Erasmus Plus poderá ajudar a motivar a abrir horizontes dos estudantes do ESP.

  11. Requalificar estudantes e diplomados para áreas emergentes através de sistemas de micro-credenciais.
    O desenvolvimento de mecanismos de requalificação de estudantes e diplomados para áreas emergentes no mercado de trabalho, em especial no mercado local, deve ser desenvolvida quer para melhor adequar os estudantes às dinâmicas do mercado de trabalho, quer para manter os diplomados do ESP atualizados e competitivos. Sistemas de micro-credenciais, e outros, que complementem a formação do ESP e que permitam a atualização dos diplomados, devem fazer parte das estratégias do ESP em articulação com o mercado de trabalho.  A utilização de micro-credenciais durante o ESP permitiria aos estudantes uma maior especialização ou diversificação de competências, e uma maior adequação a determinadas profissões ou setores de atividade que sejam da sua preferência. Para os diplomados, as micro-credenciais facilitam a formação ao longo da vida.

  12. Desenvolver melhorias de equidade para diplomados residentes em regiões de baixa densidade populacional ou de condições socioeconómicas mais frágeis.
    A natureza “determinística” de algumas variáveis que se destacam na caraterização dos percursos pós-secundários são deveras preocupantes. A este nível, só as políticas públicas e sociais poderão repor alguma equidade – seja por acesso a empregos qualificados, apoio à deslocação, ou outras medidas de empregabilidade. Os problemas de empregabilidade em regiões de baixa densidade é geral, e necessita de medidas urgentes para repor a justiça social e para evitar o esvaziamento desses territórios.

  13. Identificar formas mais ágeis de acesso e integração no ensino superior através da conjugação do estudo com atividade profissional.
    A modalidade trabalhador-estudante é uma solução importante para permitir o acesso ao ensino superior de diplomados que pretendem continuar a estudar após a conclusão do ESP, mas que não têm condições socioeconómicas para o suportar. Muitos salientam que os apoios sociais não são adequados às suas situações familiares ou ambições pessoais.  O atual estatuto do trabalhador-estudante é insuficiente para ajudar estes diplomados a concretizar os seus planos académicos, e a abertura do mercado de trabalho para apoiar os trabalhadores-estudantes é casuística e muito variável. Aspetos de financiamento, por exemplo comparticipação de despesas de deslocação e alojamento, poderão vir a ser equacionadas. Em alternativa, o fomento de modalidades como ensino a distância, formação por módulos, MOOC, e outras modalidades de teletrabalho poderão dar um especial contributo para a igualdade de oportunidades dos diplomados.

  14. Desenvolver as competências transferíveis adequadas aos desafios atuais e futuros.
    Os desenvolvimentos tecnológicos mudaram drasticamente as necessidades de competências transferíveis por parte do mercado de trabalho. E estas necessidades não estão a ser devidamente supridas. Apesar dos progressos nos anos recentes, a Comissão Europeia estima que 40% dos adultos e 33% dos trabalhadores na Europa têm falta de competências digitais básicas. Consequentemente, o principal desafio do ensino e formação profissional é a preparação dos jovens para a transição digital e da sustentabilidade. As competências transferíveis nestes domínios são essenciais para aumentar a resiliência e garantir a inclusão social e a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. Outras competências transferíveis críticas para lidar com os desafios futuros são o pensamento crítico, a criatividade aplicada à resolução de problemas, a empatia e a adaptação à mudança em ambientes complexos (European Commission, 2020). Assim, é necessária uma discussão ampla sobre quais as competências transferíveis a desenvolver pelo ESP, em complemento àquelas que são desenvolvidas em contextos informais de aprendizagem e de contacto com as empresas. De salientar que o Sistema de Antecipação de Necessidades e Qualificações (SANQ) é reconhecido internacionalmente como um exemplo de boas práticas (Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), 2019), designadamente por fomentar a participação de trabalhadores e empregadores, entre outros, para colaborativamente identificarem necessidades do mercado de trabalho e guiarem o planeamento do sistema de educação e formação profissional.

  15. Melhorar os mecanismos de avaliação das competências transferíveis.
    As competências transferíveis são especialmente difíceis de medir. Contudo, a aquisição destas competências durante o ESP deve ser avaliada, considerando que são cada vez mais essenciais ao desempenho e sucesso dos diplomados. Por exemplo, competências transversais relacionadas com atitudes são cruciais em muitas profissões, mas habitualmente negligenciadas nas avaliações dos estudantes. As classificações dos estudantes refletem, em parte, o seu desempenho em algumas competências transferíveis (e.g., pontualidade, trabalho em equipa), seja na sala de aula seja nos locais de acolhimento dos estágios curriculares. Contudo, uma verdadeira aposta no desenvolvimento de competências transferíveis exige uma avaliação mais específica e detalhada deste tipo de competências. Um mecanismo eficaz de avaliação é essencial para garantir o alinhamento do desenvolvimento de competências transferíveis com as necessidades do mercado, e para a definição e monitorização de políticas públicas. Um dos caminhos é a certificação de competências através de micro-credenciais (European Commission, 2020; Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), 2019), já que permitem a validação, arquivo e partilha de certificação de determinadas competências, designadamente as que sejam obtidas em contextos de ensino.

  16. Definir metas para competências transferíveis.
    Um compromisso com o desenvolvimento de competências transferíveis pede também a definição de metas. Por exemplo, na investigação realizada verificou-se que mais de metade dos participantes consideram ter desenvolvido de forma muito relevante seis de um total de dezassete competências consideradas. A interpretação deste resultado como razoável ou abaixo do desejável, por exemplo, é discutível – e merece ser discutida. A definição de objetivos para um período temporal é essencial para mobilizar os vários intervenientes (e.g., estudantes, professores) e para apoiar uma estratégia de gradual melhoria da eficácia do ESP no desenvolvimento deste tipo de competências nos seus estudantes. A definição de metas fomenta uma maior colaboração entre os intervenientes e ajuda também a melhorar a imagem pública do ESP.

  17. Capacitar os professores e adaptar metodologias de ensino para desenvolvimento de competências transferíveis.
    Ficou evidente na investigação realizada que o fomento de várias competências transferíveis resulta da iniciativa individual e da experiência dos professores, e vai muitas vezes além do programa de formação. Uma clara aposta no desenvolvimento deste tipo de competências carece da sua integração no plano de ensino e da preparação e motivação dos professores para este papel adicional. A título de exemplo, a Comissão Europeia (2020) alerta para a necessidade de escolas e professores estarem preparados para as melhorias de competências digitais. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), 2019) sugere que seja proporcionada formação em competências básicas a todos os estudantes tais como as competências digitais, resolução de problemas e criatividade. Para tal, é necessário primeiro munir os professores de técnicas e ferramentas que os ajudem a desempenhar eficazmente este papel. É também necessário analisar se as metodologias de ensino promovem o efetivo desenvolvimento de competências transferíveis, ou se são possíveis melhorias para que a formação durante o ESP abranja um número alargado de competências e maximize a aprendizagem dos estudantes.

  18. Clarificar o perfil dos estudantes do ESP.
    Um dos preconceitos ainda instalados sobre o ESP refere-se ao facto de os estudantes com mais dificuldades de desempenho escolar, e outras, serem encaminhados para este tipo de ensino. Recomenda-se a avaliação dos mecanismos de direcionamento de estudantes para este tipo de ensino e a implementação de eventuais correções que garantam as escolhas de cada estudante. Seguidamente, esses processos devem ser comunicados de forma transparente a estudantes, família e comunidade em geral. O facto do ESP ter um perfil de estudantes mais alargado do que aquele que é muitas vezes veiculado pelo público em geral deve ser evidenciado e também incentivado pelas políticas públicas. As medidas de inclusão, apesar de essenciais, não poderão ser vistas pelo público em geral como justificadoras da não aquisição de conhecimentos, atitudes e competências previstas no Quadro Nacional de Qualificações para o ensino de nível IV. A melhoria da imagem do ESP beneficiaria do desenvolvimento de mecanismos de prestação de contas que demonstrem a efetiva capacidade do ESP de proporcionar um ensino eficaz para todos os seus estudantes, tenham eles um histórico de dificuldades de desempenho ou de bons resultados académicos.

  19. Comunicar e ampliar a diversidade de profissões alvo do ESP.
    Algo que ficou bem patente nos vários estudos realizados pelo projeto é a diversidade de perfis e de ofertas no ESP. Contudo, a imagem do ESP continua alimentada pela ideia de que esta tipologia de ensino tem saídas profissionais modestas e sem prestígio social. Ora, um argumento irrefutável é o sucesso financeiro e social alcançado por diplomados desta tipologia de ensino – em especial em algumas profissões de maior procura e mais valorizadas no mercado de trabalho. Por outro lado, algumas áreas especialmente técnicas (e.g., engenharias ou saúde) gozam de elevada notoriedade social e têm grande compatibilidade com uma tipologia de ensino aplicada como e o ESP. O público em geral carece de um maior conhecimento sobre o âmbito e diversidade dos cursos de ESP. Uma informação mais completa e representativa do tipo de carreiras que são preparadas no ESP permitirá eliminar interpretações incorretas e, consequentemente, melhorar a imagem desta tipologia de ensino.

  20. Identificar e divulgar símbolos e histórias do ESP.
    Voltando ao significado de imagem (e.g., representação, interpretação, significado simbólico), a adoção de símbolos (e.g., objetos, eventos, ações ou pessoas) poderá ajudar a alinhar as interpretações e corrigir o conceito do ESP para a população em geral. Nesse sentido, é por demais evidente a necessidade de tornar públicos casos de sucesso e comunicar histórias que demonstrem a real natureza do ESP. Como salientado antes, a imagem não é detida apenas por pessoas com conhecimento suficiente ou experiência no seu objeto. Aliás, o que fica evidente nos resultados do projeto é que aqueles que têm um conhecimento efetivo do ESP (e.g., diplomados, estudantes, professores, empregadores) defendem em geral este sistema de ensino, e demonstram o seu valor. Alguns diplomados não têm sequer dúvida de que o ESP tem vantagens competitivas claras sobre o ensino regular. Mas compreendem que por exemplo os encarregados de educação temam a falta de reconhecimento social deste tipo de ensino. A comunicação de símbolos e histórias credíveis e realistas do ESP poderá ser estratégica para corrigir estereótipos e para fortalecer a sua imagem.

  21. Facilitar a interação entre diplomados, estudantes, empregadores e o público em geral.
    As narrativas e os resultados obtidos pelo projeto sobre a imagem do ESP apontam, também, para equívocos que resultam da falta de comunicação entre os intervenientes. Sendo a imagem, por definição, uma simplificação da realidade muitas vezes superficial não suportada com informação suficiente, beneficiaria de uma correta comunicação do âmbito e potenciais resultados do ESP. Para tal, a interação por exemplo com empregadores e diplomados será especialmente benéfica para estudantes e potenciais candidatos ao ESP. Também uma maior abertura à comunidade em geral e o diálogo próximo com o tecido empresarial permitiria um melhor alinhamento de perceções, imagem e realidade do ESP. De notar que esta interação pode e deve ser facilitada pelo desenvolvimento de mecanismos que tornem o ESP mais participativo e aberto à comunidade. Por exemplo, os estágios curriculares são um mecanismo essencial para alinhamento de expetativas e uma correta interpretação do ESP por ambas as partes. Outros mecanismos (e.g., reporte de resultados, avaliação de desempenho, demonstração de competências, serviço à comunidade, aulas abertas, programa de embaixadores) poderão ser integrados nas práticas e estratégias do ESP.