Análise
por EDULOG
11 de setembro de 2025 |
Com um novo ano letivo a começar, quais são os principais desafios que alunos, professores e escolas enfrentam, atualmente?
Um dos desafios mais prementes e que domina a realidade educativa é a falta de professores. Tivemos notícias, recentemente, de que há mais procura por cursos na área da educação nas colocações do ensino superior. Mas, na verdade, estes cursos de licenciatura nas áreas da educação são, sobretudo, de primeiro ciclo e representam apenas uma parte da questão. Isto porque, normalmente, os professores de terceiro ciclo e secundário são aqueles que fazem a licenciatura numa área científica específica e só depois fazem formação pedagógica para enveredar pela via do ensino.
O que tem sido feito para alterar esta realidade de escassez de professores? E com que resultados?
Há um conjunto de medidas que se tem tentado desenhar para atrair professores nas regiões onde se regista maior escassez, nomeadamente nas zonas urbanas. Tem também havido, recentemente, um início de medidas para apoiar a formação inicial de professores. É o caso dos contratos-programa com as instituições de ensino superior que fazem formação inicial de professores, ao nível de licenciatura e mestrado, para um reforço da formação. No entanto, parece-me relevante que, além do reforço em termos de quantidade, se faça também em termos da qualidade da formação.
Existem lacunas na forma como estamos a preparar a próxima geração de professores?
Temos alguma evidência, produzida nos últimos anos, de que existem problemas na formação inicial, em termos da sua qualidade científica. Há, por exemplo, um estudo do EDULOG que demonstra esta questão [“Como estão a ser preparados os futuros professores para o ensino da leitura e da escrita”, coord. Isabel Leite e Carlinda Leite]. Falamos, nomeadamente, das referências científicas que são usadas e na quantidade de vezes que os alunos passam, de facto, os conceitos teóricos para a prática pedagógica. Neste momento em que reforçamos a formação, temos de fazer também um reforço pela qualidade. Mas há outras necessidades…
A que níveis?
Estamos a viver uma renovação geracional muito intensa nas escolas portuguesas. Temos cada vez mais professores contratados de habilitação própria a chegar às escolas. Ou seja, professores que fizeram a sua formação científica e ainda não fizeram a sua formação pedagógica. E é muito importante saber como enquadrar estes professores. Estamos a falar de pessoas que têm, muitas vezes, uma formação científica inicial, mas nunca deram aulas, nunca estiveram numa dinâmica de escola. É preciso receber estes professores e desenhar uma formação pedagógica que se adeque à realidade que enfrentam. Ou seja, que se adeque a uma realidade de professores que já estão hoje nas escolas e que estão a fazer a sua formação pedagógica ao mesmo tempo que dão aulas. É também relevante existirem mecanismos para consolidar a sua formação científica sempre que necessário.
Identificou a escassez de professores como um dos desafios mais prementes. Existem outros que queira destacar?
A pluralidade dentro da sala de aulas, claramente. Esta pluralidade das turmas e a falta de professores são os principais desafios da escola pública, neste momento de regresso ao ano letivo. Quando olhamos para a constituição das turmas, percebemos que cada vez temos mais alunos com necessidades educativas especiais. Para além da reflexão necessária acerca do crescimento acelerado destas sinalizações, é necessário apoio fora da sala de aula para que estes alunos possam ter uma complementaridade ao trabalho que o professor faz em sala. E estamos também a falar de turmas que têm, cada vez mais, uma população imigrante. Estes alunos [imigrantes] precisam de ser apoiados, nomeadamente na questão da língua portuguesa.
Também em contexto fora da sala de aula?
Precisamente, para que se possa chegar às necessidades destes alunos. Diria que tem havido passos neste sentido, com um apoio dos mediadores culturais para chegar aos alunos imigrantes, mas ainda não é suficiente. Dada a enorme diversidade de turmas – com alunos que precisam de apoio complementar devido às necessidades educativas especiais e com alunos imigrantes –, precisamos de instrumentos fora da sala de aula que possam dar respostas eficazes.
Esta realidade mais plural não é exclusiva de Portugal. Estão identificados exemplos e boas-práticas internacionais que possam servir de inspiração a implementar no sistema nacional?
Um dos principais exemplos para os quais podemos olhar tem a ver, sobretudo, com o uso da tecnologia. A tecnologia pode dar um apoio concreto nestes contextos e ajudar os alunos que têm necessidades específicas fora da sala de aula. Por exemplo, no caso da aprendizagem da língua portuguesa por parte dos alunos imigrantes. As plataformas de apoio à aprendizagem da língua podem complementar o trabalho que o professor tem na sala de aula, de forma individualizada às necessidades de cada um. No panorama internacional, há alguns exemplos disto.
As turmas estão cada vez mais diversas e, em paralelo, existe um discurso político crescente que é muito crítico em relação a esta diversidade, nomeadamente em relação aos alunos imigrantes. Há o risco de que este discurso acabe por ter impacto na forma como as escolas gerem esta realidade?
Sem dúvida. Infelizmente, este discurso mais radicalizado e desadequado acerca da imigração transfere-se para dentro da escola. Sabemos isso. Sabemos que as crianças e os adolescentes absorvem o tipo de discurso que temos à volta. Penso que existe pouca consciência deste fenómeno, mas a literatura científica mostra a absorção deste tipo de discursos por parte de crianças e adolescentes. Isto reforça, contudo, a necessidade de instrumentos de apoio a estes alunos, nomeadamente na sua integração num aspeto fundamental como é a língua.
Falemos agora dos conteúdos lecionados e das competências transmitidas no sistema de ensino português. Estamos a preparar as gerações mais novas para as competências necessárias no futuro?
É sempre muito difícil dizer o que são as competências do futuro, uma vez que o futuro é uma incógnita e tem sempre a dimensão de nos surpreender. Por exemplo, há 10 anos toda a gente dizia – e bem – que os alunos deviam aprender a codificar desde muito cedo e agora a verdade é que as competências de codificação ficaram muitíssimo facilitadas pela inteligência artificial.
Tendo isso em conta, qual deveria ser a prioridade?
Precisamos de dar uma base de conhecimento muito forte aos alunos, para que depois eles possam navegar em quaisquer que sejam essas competências do futuro. Ou seja, transmitir conhecimentos muito fortes em domínios como a matemática, as ciências exatas, as ciências sociais, o português… Se os alunos tiverem esta base de conhecimento, conseguirão adaptar-se às circunstâncias necessárias e adequar-se aos choques futuros no mercado de trabalho. Também é muito importante a complementaridade entre dimensões cognitivas e não-cognitivas, tal como nos diz a evidência da economia da educação. Ou seja, é fundamental que, na escola, possamos dar essa base forte de conhecimento que vem da dimensão cognitiva, mas que também consigamos dar a estas crianças dimensões não-cognitivas, relacionais e comportamentais.
Referiu, há pouco, a importância da tecnologia para apoiar alunos com necessidades específicas. Mas, a propósito de tecnologia, este é também o primeiro ano letivo com a proibição do uso de smartphones nas escolas, no primeiro e segundo ciclos. Esta restrição trará impactos positivos no foco e desempenho escolar dos alunos?
Ainda não existe evidência científica muito solidificada acerca das restrições ao uso do telemóvel e impacto nos resultados escolares. A pouco evidência que existe aponta para uma potencial conexão entre menos uso de telemóvel e melhores resultados escolares. Independentemente disto, este passo de restrição dos telemóveis é importante também devido a outras dimensões, mesmo que não tenha nenhum impacto nos resultados escolares. Atualmente, as redes sociais são um espelho de uma sociedade excessivamente polarizada e excessivamente normativa em termos de padrões nos quais, depois, se ancoram jovens e crianças. Se tivermos um espaço, durante o dia, em que essa ancoragem possa ser diminuída, parece-me que irá trazer valor acrescentado e benefícios para o desenvolvimento dos alunos.
É também um novo ano letivo para o ensino superior. Neste nível, a segunda fase de candidaturas confirmou uma quebra muito significativa no número de candidatos, já verificada na primeira fase. O que está por detrás deste declínio?
Quando olhamos para a tendência temporal, estamos a voltar para os números médios do período pré-Covid. De recordar que, durante o período de Covid, houve uma série de alterações nos mecanismos de entrada do ensino superior, que fizeram aumentar o número de alunos inscritos. As regras de acesso atuais não são exatamente iguais às do pré-Covid, mas são mais próximas…
Portanto, este declínio estará mais relacionado com as regras de acesso ao ensino superior do que com questões como, por exemplo, a crise na habitação?
Obviamente que a crise da habitação influencia escolhas. Mas não são os melhores cursos das universidades das grandes cidades que ficaram por preencher. As vagas que ficaram por preencher foram, sobretudo, nas zonas do interior mais ligadas a institutos politécnicos. Precisamos de olhar para quem foram os alunos que entraram no ensino superior durante o Covid e que não entraram agora. E, dadas as mudanças nas regras de acesso, provavelmente muitos destes alunos são aqueles que tinham notas potencialmente mais baixas no término do ensino secundário e que conseguiram entrar, porque as regras de acesso eram menos apertadas. Na altura, foram ocupar, sobretudo, vagas em alguns institutos politécnicos no interior – e que agora ficaram sem estes alunos. Por isto mesmo, para além de olharmos para os que entram no ensino superior, devemos olhar com atenção para os percursos destes alunos e perceber quantos, de facto, se graduam e quantos acabam por desistir.
Que conclusões se podem retirar daqui?
Que temos o mesmo mecanismo de entrada no ensino superior para alunos muito diferentes. É uma realidade que existe há muito tempo: temos instituições que captam alunos muito diferentes e têm ofertas muito diferentes, debaixo do mesmo concurso nacional de acesso. Como o mecanismo de acesso é igual para todos, obviamente que, perante uma alteração (ou reposição) das regras de acesso, criam-se impactos assimétricos entre diferentes instituições no número de alunos que se candidatam e que têm acesso. Contudo, o modelo atual, que foi iniciado este ano, parece-me equilibrado, nomeadamente o peso dos exames e da avaliação interna é bem ponderado na nota final de acesso ao [ensino] superior.
Por fim, desafiamo-lo a uma reflexão mais pessoal. Se pudesse deixar uma mensagem aos alunos e aos professores que agora iniciam este ano letivo, qual seria?
Uma mensagem relevante é a da persistência. Muitas vezes em educação, quer do lado dos alunos, como do lado dos professores, a persistência é uma palavra-chave. E a persistência é uma coisa muito difícil, porque desanimamos muito rapidamente. Desanimamos quando somos professores e os nossos alunos não têm resultados. Desanimamos quando somos alunos e não temos resultados. Isto também é uma dimensão não-cognitiva e comportamental que se trabalha. O trabalho em educação é sempre uma maratona, uma corrida de fundo em que é importante ter a resistência e a persistência para conseguir lá chegar. Os resultados podem não aparecer logo, mas vão aparecer.