Análise

Será que as políticas promovem oportunidades “reais” de aprendizagem para os adultos?

por EDULOG


23 de fevereiro de 2018 |

São muitas as barreiras que podem impedir os adultos de participar em ações de aprendizagem ao longo da vida. Estes impedimentos “merecem atenção política”, diz a Eurydice, uma rede que fornece informação sobre os sistemas educativos europeus. Num relatório, desafia os países a promover oportunidades “reais” de aprendizagem para grupos mais vulneráveis.

Cerca de 70 milhões de adultos na Europa têm um nível de escolaridade abaixo do ensino secundário. No relatório “Adult Education and Training in Europe: Widening Access to Learning Opportunities”, a rede Eurydice reúne dados de 2014 e mostra que na União Europeia (UE) cerca de um em cada quatro adultos, com idades entre os 25 e os 64 anos, só tem a escolaridade básica. O acesso dos adultos a oportunidades de educação é analisado em 35 sistemas educativos, localizados em 32 países europeus, onde se incluem todos os Estados-membros da UE, mas também a Islândia, o Liechtenstein, a Noruega e a Turquia.

Incluídos nos 70 milhões de pessoas que estudaram apenas até ao 9.º ano estão também cerca de 20 milhões de pessoas que só completaram o 6.º ano de escolaridade, refere a Eurydice. Os países do sul da Europa são os mais afetados pelos baixos níveis de escolaridade entre a população adulta. Mas existem diferenças substanciais entre as gerações: os jovens adultos têm, em média, um nível de escolaridade significativamente maior do que a população mais velha.

Competências podem tornar-se obsoletas

Cerca de um em cada cinco adultos na Europa tem baixas competências de literacia e matemática. Quase um em cada três tem competências muito baixas, ou nenhumas, em TIC. “O nível de escolaridade é um indicador importante do capital humano na sociedade. Mas nem sempre é válido para medir competências em diferentes contextos”, lê-se no relatório. Por um lado, porque “as competências adquiridas no sistema educativo podem tornar-se obsoletas, se não forem mantidas. Por outro lado, “as pessoas com baixa escolaridade formal podem obter uma variedade de competências através de experiências variadas de vida e trabalho”.

Neste contexto, uma outra pesquisa que é realizada pela OCDE, “Competências dos Adultos” (PIAAC, sigla inglesa), e que avalia diretamente os níveis de competências na população adulta (dos 16 aos 65 anos), acrescenta uma nova perspetiva à comparabilidade do capital humano entre países. Em média, nos 17 países da UE que participaram na primeira ronda do PIAAC, 19,9% e 23,6% dos adultos, respetivamente, têm baixo desempenho em literacia e matemática.

Tanto o PIAAC, como as estatísticas da sociedade da informação da UE (ISOC, sigla inglesa) mostram que cerca de 30% dos adultos na UE possuem competências TIC muito baixas ou simplesmente não as têm. De acordo com esta última fonte, cerca de 50% dos adultos na Europa consideram que suas competências em TIC não atendem às exigências atuais do mercado de trabalho.

Quem mais precisa de formação tem menos oportunidades

A participação em educação e formação de adultos é determinada por vários fatores, como o nível de escolaridade, a situação face ao emprego, a profissão, a idade e as competências. Adultos com baixo nível ou sem qualificações, pessoas com profissões indiferenciadas, desempregados e economicamente inativos, pessoas mais velhas e menos qualificadas, são menos propensas a participar na aprendizagem ao longo da vida. Para o Eurydice, isto significa que “os adultos que mais precisam de educação e formação são os que têm menos acesso a oportunidades para aprender ao longo da sua vida”.

Políticas devem definir metas a atingir

A pesquisa da Eurydice mostra que o apoio aos adultos com baixas competências básicas ou qualificações insuficientes surge, com frequência, na agenda política dos diferentes países. Muitas vezes, esse apoio faz parte das políticas de educação e formação. Outras, surge integrado em reformas económicas mais amplas ou, mais especificamente, integrando as estratégias de emprego.

Apesar de os documentos onde se inscrevem esses apoios incluírem referências explícitas para a promoção do acesso à educação e formação de vários grupos vulneráveis, raramente definem objetivos e metas a serem alcançadas, critica a Eurydice. Por essa razão, “não estão a ir ao encontro das questões mais importantes que afetam as pessoas com baixas competências ou qualificações”.

Para os especialistas da rede de informação europeia, “isso levanta a questão de saber se as estratégias e as agendas políticas dos países têm um potencial real para melhorar as oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para os adultos com baixa qualificação e outros grupos vulneráveis”. “A área merece mais investigação”, acrescentam.

Obstáculos à aprendizagem merecem atenção política

As restrições de tempo, seja devido a responsabilidades familiares ou ao horário de trabalho, mas também as restrições financeiras ou a falta de “pré-requisitos” (por exemplo, qualificações de entrada apropriadas) são, segundo a Eurydice, os principais obstáculos que impedem as pessoas de participarem da aprendizagem ao longo da vida. Em Portugal, um estudo do EDULOG realizado em 2016 chegava às mesmas conclusões. Entre as razões mais apontadas pelos inquiridos para não pensar em continuar a estudar surgia a falta de tempo, por razões familiares (45,3%), e a falta de possibilidades financeiras (40,1%).

Ao nível europeu, olhando especificamente para as barreiras reportadas pelos adultos com baixas qualificações (ou seja, com escolaridade abaixo do ensino secundário), em média, 21,8% apontam as suas responsabilidades familiares como um obstáculo para voltar aos estudos, 13,6% têm dificuldade em conciliar a formação e o horário de trabalho, 13,3% referem questões financeiras e 7,1% dizem ter “pré-requisitos” insuficientes.

Por isso, a Eurydice recomenda soluções à medida das necessidades dos adultos. “Melhorar a flexibilidade dos programas - por exemplo, através da aprendizagem à distância, modularização, vias de acesso alternativas ou a validação da aprendizagem não formal e informal - e ter em conta a sua acessibilidade financeira são, portanto, aspetos que exigem atenção política”, refere.

Consciencializar os adultos para os benefícios da aprendizagem

Por outro lado, “envolver os adultos e torná-los conscientes dos benefícios da aprendizagem ao longo da vida é um dos principais desafios”. Cerca de 80% dos adultos que não participam em educação e formação não mostram vontade em voltar à aprendizagem organizada. Segundo a Eurydice, “a falta de interesse é, de longe, o motivo mais comum para a não participação”. Este é também um dos motivos mais apresentados pelos adultos portugueses ouvidos no inquérito realizado pelo EDULOG.

Praticamente em todos os países analisados pela Eurydice, a falta de interesse é mais percetível entre os adultos com nível de escolaridade abaixo do ensino superior, por comparação aos que completaram este grau de estudos. Além disso, as pessoas com menos escolaridade estão menos motivadas a procurar informações sobre oportunidades de aprendizagem do que as pessoas com maior nível de escolaridade. Assim, a falta de interesse na aprendizagem ao longo da vida e a limitada procura de informações autodirigida sobre oportunidades para aprender mostram que é necessário um esforço para chegar aos adultos e torná-los conscientes das ofertas disponíveis. Ou, em alternativa, envolver os adultos na criação de novas ofertas adaptadas às suas necessidades específicas.

Os governos sabem que precisam de aumentar a participação dos adultos em educação e formação, garante a Eurydice. No entanto, olhando para as políticas educativas dos últimos cinco anos, adverte: “A maioria dos países europeus realizou campanhas importantes de consciencialização e divulgação. No entanto, o impacto dessas iniciativas na participação dos grupos mais vulneráveis raramente é avaliado.”

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